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Lavre

A região de Lavre é ocupada desde os primórdios da Humanidade. No território que envolve a vila têm-se registado numerosos achados arqueológicos representativos de diversos períodos; Paleolítico Inferior (atestado por artefactos líticos no leito e margens da ribeira de Lavre), Calcolitico, et aI., cujo levantamento e estudo sistemáticos urge encetar.

 Na margem esquerda da ribeira de Lavre, Junto à localidade, detectaram-se recentemente vestígios romanos que poderão apontar para a existência de uma villa no local.

 Apesar da tradição popular e literária aludir à existência de uma povoação muçulmana, denominada Lavar ou Lavay, onde hoje se ergue a vila de Lavre, faltam-nos dados concludentes que o comprovem.

 A mais antiga referência conhecida ao topónimo Lavar data de 1186. Na doação do castelo de Palmela à Ordem de Santiago diz-se que os seus domínios chegavam "à foz de Lavar".

 Embora essa primeira alusão se refira à ribeira, de Lavre e não propriamente à povoação homónima, pode inferir-se a existência da povoação já naquela data" dado o costume ancestral de designar os cursos de água com o mesmo nome da principal localidade por onde passam

 Em 1203, data da atribuição do primeiro foral a Montemor-o-Novo, as terras de Lavar surgem incluídas no termo daquela vila.

 Outras referências surgem em documentos do século XIII: as "cimalias" de Lavar extremavam em 1217 a herdade do bispo D. Soeiro. D. Afonso II doou uma herdade em Lavar ao seu falcoeiro Mendo Gomes em 1220. O prior da igreja de S. Pedro de Coruche vendeu aos religiosos de Avis uma herdade em Lavar.

 Numa carta de doação ao rei D. Dinis da herdade pertencente à Ordem de Avis, surge a primeira alusão con11ecida à fortificação de Lavar: tal herdade situava-se "a par da Torre de Lavar", (provavelmente pertencente ao Castelo de Lavar a que aludiremos adiante) ainda existente no princípio do século X'.'1ll e provavelmente demolida pelo terramoto de 1755.

 Pelo foral de D. Dinis de 13-02-1304 constitui-se o concelho de Lavre, através da desanexação de terras do termo de Montemor. Nesse diploma" para além da habitual enumeração de deveres e privilégios dos moradores, procedeu-se a uma primeira delimitação territorial do novo concelho.

 Lavre e o seu concelho terão permanecido na posse da Coroa até 1430, ano em que D. João I porventura querendo reanimar o povoamento da região, fez doação do castelo de Lavar ao alemão Lambert de Horques, nomeando-o alcaide-mor da fortaleza, ao mesmo tempo que lhe atribuía a tutela de um vasto território que ultrapassava em muito os limites tradicionais do Concelho, prolongando-se por terras hoje pertencentes aos concelhos de Coruche e Arraiolos. Foi efémera a presença dos povoadores germânicos nestas paragens, já que em 1437 o filho de Lamberto de Horques, João Lamberto, renunciou ao senhorio de Lavre.

Inicia-se em 1483 a ligação histórica entre a família Mascarenhas (futuros condes de Santa Cruz e marqueses de Gouveia) e a vila de Lavre. Nesse ano, fazendo jus à influência que detinha junto do rei D. João II, Fernão Martins de Mascarenhas acrescentou aos cargos de capitão de ginetes, alcaide-mor de Montemor-o-Novo e Alcácer do

 Sal e comendador de Mértola, o senhorio de Lavre.Os condes de Santa Cruz mantiveram a donataria de Lavre até 1759, ano em que, por alegado envolvimento no atentado contra a pessoa do rei, D. José de Mascarenhas (8º duque de Aveiro, 5º marquês de Gouveia, 8º conde de Santa Cruz e 14º alcaide-mor de Montemor-o-Novo) é justiçado juntamente com os Távoras no patíbulo de Belém. A partir daquela data a donataria de Lavre regressaria à Coroa.

 

 Apesar de estar por fazer um levantamento sistemático da documentação histórica dos séculos XVI e XVII relativa a Lavre e ao seu concelho, conhecem-se algumas referências que levam a concluir sobre um relativo crescimento da vila e seu termo até à primeira metade do século XVIII.

 No Numeramento de 1527 a vila e seu termo teria aproximadamente 360 habitantes, dos quais 110 na sede. Das visitações ordenadas pelos cardeais-infantes D. Afonso e D, Henrique às igrejas de Lavre, respectivamente em 1534 e 1542, infere-se da existência de um assinalável património artístico-religioso nas duas paróquias do Concelho (Matriz da Vila e S. Lourenço no termo) já no século XVI.

Ainda no mesmo século e tirando partido das deslocações frequentes da corte entre o Alentejo e o Ribatejo e do comércio recoveiro que se fazia entre os portos do Tejo e Sorraia e o hinterland alentejano, terá sido

construída a ponte sobre a ribeira de Lavre, cujas ruínas ainda hoje se observam a poucos quilómetros para Sudeste da vila. Nos séculos

XVII e XVIII novos edifícios engrandeceram Lavre: as ermidas de Santo António, S. Sebastião, S. Pedroe S. Miguel, a igreja e hospital da Misericórdia de Lavre, os Paços

do Concelho e provavelmente a ermida de Santa Comba; de cuja estrutura nada resta à superfície. Em 1708, segundo o padre Carvalho da Costa a vila tinha já cerca de 1000 habitantes, contando o seu termo cerca de 400. Ainda segundo aquele autor, a edificação mais vistosa da vila era a Torre do Relógio (quiçá a Torre de Lavar a que aludimos anteriormente), do cimo da qual se avistava Montemor.

 

Foi basicamente aquela a povoação que o terramoto de 1755 destruiu. Seguindo a Memória Paroquial, escrita pelo padre Matias Vieira Leitão em 1758, atesta-se a destruição provocada por aquele sismo nas igrejas e noutros edifícios de Lavre. Assim, exceptuando pequenos danos na igreja da Santa Casa da Misericórdia e nas ermidas de S. Sebastião e Santo António, quase todos os edifícios foram gravemente afectados.

A grande destruição provocada pelo terramoto 1755, terá contribuído decisivamente para o início de um declínio acentuado nas décadas seguintes. Em 1801 viviam na freguesia-sede 940 habitantes e no termo 161, o que traduz uma redução populacional em relação ao século anterior.

 A ruína da Ponte da Ribeira em 1804 deverá ter sido nefasta para as comunicações da vila com as outras terras do Alentejo, principalmente quando as invernias não permitiam passar a vau a ribeira.

A situação de isolamento da vila terá levado provavelmente os vereadores do Concelho a pedirem ajuda ao poder central, uma vez que em 1806 foi expedida uma provisão do Desembargo do Paço em que se ordenava o concerto da referida ponte, a expensas de uma derrama a lançar sobre a população. Contudo, devido ao estado de guerra em que o Reino se viu envolvida a partir de 1807, jamais se procedeu a tal reconstrução.

O concelho de Lavre tinha uma área territorial que não seria desprezível em termos Comparativos: se considerarmos que a superfície média dos concelhos do Pais seria no final do Antigo Regime de 100 km², e a média dos concelhos do Alentejo e Algarve de 300 km², a sua área territorial suposta deveria rondar os 280 km². Apesar disso, a concelho de Lavre enfrentou sempre grandes dificuldades de subsistência.

 Exceptuando o vale de Simarros, onde a horticultura era possível, os o1ivais que rodeavam a vila e algumas vinhas, a produção agrícola era escassa. As principais fontes de rendimento do Concelho provinham das sobras dos impostos, das rendas de pequenas herdades concelhias (que por vezes ficavam por arrematar), das coimas e licenças passadas a artesãos e comerciantes.

 O abastecimento de cereais constituiu um problema ancestral da povoação, a que se procurou responder, quer por via de posturas concelhias extremamente rígidas quanto à saída de cereais e farinhas para fora, quer pela imposição regular de termos de fiança a padeiras, maquilões e moleiros (alguns das quais exercendo a sua actividade fora dos limites do Concelho).

 

As dificuldades de auto-sustentação da edilidade local, a par do declínio notório da localidade no princípio do século XIX, condenaram o Concelho à extinção. Desse modo, no âmbito da reorganização administrativa do País decretada por Passos Manuel é ordenada em 6-11-1836 a extinção do concelho de Lavre e a sua integração no concelho de Montemor-o-Novo.

Apesar da extinção do Concelho e da sua constituição numa Junta de Paróquia, a paróquia de S. Lourenço continua anexada a Lavre, pelo menos até 1850, ano em que é anexada à de S. Geraldo e em que é lavrado o seu último assento de nascimento. Por uma nota de 1866 a vila e freguesia de Lavre, juntamente com metade da de S. Lourenço anexa., contava cerca de 1130 habitantes.

Na segunda metade do século XIX, acompanhando o crescente interesse dos grandes proprietários pela cortiça e pela suinicultura, e a procura crescente de lenha para abastecer a indústria e os caminhos-de-ferro, assiste-se à substituição de extensos matagais por montados de sobro e azinho nas herdades da freguesia. Data dessa época o crescimento de uma outra localidade dentre da freguesia: Cortiçadas de Lavre, hoje freguesia autónoma.

 

 A extracção de cortiça mais do que as culturas agrícolas tradicionais ou a plantação de arroz tomaram-se a principal fonte de rendimento de várias famílias de proprietários. Entre estes destacam-se as famílias Frade e Veiga, precursores na introdução de máquinas na agricultura, moagem e lagaragem da freguesia.

 Entre as figuras principais de Lavre de finais do século XIX e da primeira metade do século XX, destacou-se Mestre Simão da Veiga, pintor da escola de Malhoa, cavaleiro tauromáquico e proprietário da herdade do Pedr6gão. Figura ainda hoje muito recordada pelos lavrenses mais velhos, pelas suas qualidades humanas, placidez e simplicidade, relacionava-se regularmente com a família real, tendo a vila assistido por diversas vezes à passagem de el-rei D. Carlos na sua companhia com destino ao Pedrógão.

 

Em 1949, seria a vez de o rei Humberto de Itália e da princesa D. Maria Pia de Sabóia visitarem os campos de Lavre e a herdade do Pedrógão. Exaltando a natural aficción das gentes de Lavre, destacou-se ainda Simão da Veiga Júnior, considerado por muitos o melhor cavaleiro tauromáquico da segunda metade do século, também ele muito acarinhado pelos lavrenses pela sua participação em benfeitorias na povoação. 

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